Iniciei meu curso de
direito no ano de 1986, época em que as petições ainda eram datilografadas. Durante
uma aula de Teoria Geral do Processo, no ano de 1988, me recordo do professor Walter Lambert
de Brito contando o problema que havia acontecido no seu computador, resultando
na perda de um prazo. Ele discorria sobre as providências que adotaria para
tentar a devolução do prazo. Nós nunca soubemos se ele obteve êxito no seu
pedido de devolução de prazo, mas a turma buscava receber os ensinamentos dos
diversos professores não apenas com a admiração pelas histórias que eram passadas, mas
também pelo fato deles compartilharem conosco as suas experiências
profissionais.
Nesse período em que não havia a
internet comprei meus primeiros livros e códigos, todos vendidos pela equipe do
João, da Livraria Cultural da Guanabara. Essa tradicional livraria do Rio de
Janeiro foi fundada no ano de 1966, o mesmo ano em que nasci. No fim dos anos
80, o Grupo
Cultural da Guanabara inaugurou a Editora
Lumen Juris, e nós alunos crescemos com aquele contato estreito com os livros e
autores. Tenho boas recordações dos tempos
que do lugar do aluno nossa função era aprender os
conteúdos e sonhar com a vida profissional que iríamos enfrentar logo adiante. Uma das primeiras providências ao iniciar o curso de direito foi
adquirir a obra Vocabulário Jurídico, de Oscar Joseph de Plácido e
Silva.
Sempre tive o hábito de pesquisar as palavras e expressões
que me desafiavam. O famoso dicionário jurídico foi adicionado aos dicionários
que já faziam parte do meu cotidiano. Depois incorporei o Dicionário de
Economia e Administração, o Dicionário das Citações, o Dicionário Latino
Português, entre outros. Recentemente incorporei o Dicionário de Princípios
Jurídicos, uma obra fundamental para os operadores do Direito.
Nem sempre era fácil comprar livros, mas sempre tive o apoio
dos meus pais, o que sempre busquei fazer com meus filhos: incentivar a leitura,
a pesquisa, a busca pelo conhecimento. Sempre falo da importância de pesquisar,
manusear os livros, andar pelas bibliotecas e livrarias. Mais do que falar, sempre pratiquei. Vejo com alegria o uso
frequente que fazem dos serviços prestados pela Biblioteca Pública localizada
na Praça da República, em Niterói. E do gosto que os três herdaram pelos livros.
Mas sou de um tempo em que as bibliotecas dos cursos de
direito não emprestavam livros para que levassem para casa. Muitos colegas não
tinham condições de comprá-los. Quando fui eleito presidente do Direito
Acadêmico Rui Barbosa, O DARB, um dos poucos diretórios acadêmicos que não
foram fechados na ditadura, nossa gestão conseguiu algo, naquele ano de 1989,
ainda pouco comum: a aquisição de livros e o empréstimo aos alunos, para que
pudessem estudar em suas casas.
Atualmente, as instituições de ensino superior são avaliadas, entre outros aspectos, pelo acervo disponível na biblioteca para uso dos alunos.
Guardo com muito carinho uma placa que recebi em 31-08-1990,
na posse da nova diretoria, com os seguintes dizeres: “À Gestão Realização. Uma
singela homenagem que traz em si o símbolo do reconhecimento dos alunos da
Faculdade de Direito Candido Mendes – Centro ao inesquecível trabalho por essa
gestão. Que fique a certeza de que seremos todos responsáveis, sempre.”
Quando escolhi o nome da nossa chapa “REALIZAÇÃO : SOMOS
TODOS RESPONSÁVEIS!”, tinha em mente o que significa realizar, ou seja:
realizar significa tornar real. Sempre disse, desde jovem, que não basta sonhar
é preciso transformar em realidade os nossos sonhos, ou seja, realizar. Em
trabalhos coletivos, especialmente, somos todos responsáveis. Ter essa noção do
coletivo, do grupo, sempre esteve presente na minha militância, embora muitas
vezes tenha me deparado com pessoas por demais individualistas. Ter uma
preocupação com o coletivo é algo que busco trazer em meu dia a dia no
magistério.
A rampa de acesso para cadeirantes já era um pleito da nossa gestão, anos depois construída.
Em cada etapa de minha vida profissional tive que sair
da minha zona de conforto. Dar continuidade aos estudos, cursar duas especializações, dois mestrados e o doutorado, tendo que sustentar
casa, com filhos e vida profissional na advocacia, ainda hoje é um desafio
diário. Tenho que buscar tempo e forças, trabalhar sábados, domingos e feriados para dar conta dos desafios decorrentes das escolhas que fiz. E não vivo reclamando. Ao contrário, estou feliz por ter saúde, determinação e foco para vencer cada desafio diário.
Anos atrás, coordenando o curso de direito de uma
instituição de ensino superior, encontrei um jovem professor que ainda não tinha continuado seus estudos e conversei sobre os critérios do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) para avaliação do corpo docente. Thiago
Minagé seguiu a orientação, prestou a seleção, cursou e concluiu seu mestrado em direito e está lançando o livro Processo Penal
Constitucional, pela Quileditora (http://www.quileditora.com.br/).
Outro jovem, esse nosso ex-aluno,
Rodrigo Alcântara Mesquita, também está lançando seu livro Legislação Ambiental
Brasileira (uma abordagem descomplicada).
Tenho orgulho de compartilhar notícias assim, especialmente
quando vejo pessoas dedicadas, que não ficaram paradas em sua zona de conforto e
que buscaram vencer as dificuldades, que fazem parte do dia a dia de cada um de nós. Por isso ambos já foram convidados e realizaram minicursos na Escola Superior
de Advocacia de Niterói, sob minha direção administrativa.
Mas essas lembranças todas foram despertadas pela motivação
em tentar encontrar um meio de auxiliar os alunos em geral e especialmente aos que
muitas vezes tem dificuldades de interpretação de texto, das singularidades do
mundo jurídico atual. E também para provocá-los a sair da zona de conforto,
afinal a universidade é um lugar em que espera um comportamento proativo,
especialmente aos que estão em nossa área de atuação.
E digo que aqueles que fizeram o curso de direito antes da
internet, tinham uma vida muito mais difícil no que se refere à pesquisa e
obtenção de informações.
Para ter acesso à jurisprudência ou você se deslocava para
pesquisar nos tribunais ou contratava os serviços especializados e recebia os
boletins que traziam as atualizações de legislação, doutrina e jurisprudência. Para
saber o andamento processual tinha que se deslocar ao fórum. E foi assim que a
minha geração foi formada.
Desde o primeiro ano do curso de direito eu estava
com o umbigo encostado nos balcões dos cartórios. E era necessário muito jogo
de cintura para obter as informações, aprender na prática e conciliar os estudos
e a vida real. E assim se passaram 26 anos. Nós sobrevivemos ao mundo antes da
internet.
Hoje é tudo muito mais fácil para quem está estudando e tem que fazer uma pesquisa!
Selecionei alguns exemplos de como a vida dos atuais
acadêmicos de direito pode ser mais fácil, com alguns cliques e razoável
conhecimento de como navegar na internet.
Para quem deseja receber as atualizações legislativas,
no sítio da Presidência da República (http://www2.planalto.gov.br/)
existe a possibilidade de se cadastrar no sistema push e receber diariamente os boletins
informativos. No mesmo site, no chamado Portal
da Legislação, o cidadão tem acesso a todo o material legislativo produzido na
história do Brasil: a Constituição, as Leis Federais, Decretos, Estatutos,
dentre outros. Além de tais informações, o interessado também pode
pesquisar a legislação por assunto.
No sítio do Supremo Tribunal Federal, qualquer
cidadão[1] pode ter acesso
a vários serviços úteis, dos quais destaco, inicialmente, os serviços STF
Push e de pesquisa de jurisprudência.
STF Push - é o serviço informativo gratuito de jurisprudência,
notícias diárias e acompanhamento do andamento processual no Supremo Tribunal
Federal. No ato do cadastramento, o usuário seleciona os serviços que
deseja e passa a recebê-los gratuitamente, no email cadastrado.
Jurisprudência - a Coordenadoria de Análise
de Jurisprudência disponibiliza no sítio do Supremo Tribunal Federal a Pesquisa
Eletrônica de Jurisprudência, recurso que permite ao operador do direito e ao
cidadão comum realizar buscas na jurisprudência do Tribunal (acórdãos, decisões
monocráticas, súmulas e súmulas vinculantes). Esse sistema de busca permite a
localização de precedentes pela tese jurídica ou pelo preenchimento de campos
específicos (legislação, data de julgamento, órgão julgador, Ministro relator
do processo, etc.).
Ainda no site do STF há um Guia do Direito Constitucional[2] onde é possível encontrar links
de diversos Dicionários Jurídicos
on line, que
sempre serão úteis em caso de dúvidas quanto ao vocabulário e expressões usadas
no campo. Vejamos
alguns exemplos das informações disponibilizadas pela Seção de Biblioteca
Digital:
Direito virtual - Dicionário jurídico de expressões latinas, acessível no Portal Direito Virtual
destinado a profissionais da área jurídica, estudantes de direito e
funcionários do poder público.
![]() |
Supremo Tribunal Federal |
Direitonet - É um portal jurídico para advogados, estudantes de Direito, profissionais da
área jurídica e todos os interessados em Direito com uma lista de 840 termos
jurídicos
Mundo dos Filósofos - Apresenta pequeno dicionário de expressões jurídicas latinas
Mundo dos Filósofos - Apresenta pequeno dicionário de expressões jurídicas latinas
Glossário Jurídico - Apresenta verbetes da área jurídica seguidos de sua definição, inclusive alguns verbetes apresentam exemplos de utilização.
Glossário
Jurídico - Portal Internacional do STF - Glossário
jurídico em três idiomas. Elaborado em português, inglês e espanhol, o
glossário busca apresentar à comunidade internacional, de maneira sistematizada
e simplificada, institutos jurídicos brasileiros, com destaque para o
vocabulário mais utilizado nas notícias sobre a atuação do STF.
Vários
outros sítios merecem atenção. Apenas citarei alguns exemplos, de modo a
instigar aqueles que tiverem interesse a realizarem uma visita:
Conselho
Nacional de Justiça - http://www.cnj.jus.br/
Superior Tribunal de
Justiça - http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp
Tribunal Superior do
Trabalho - http://www.tst.gov.br/
Tribunal Superior
Eleitoral - http://www.tse.jus.br/
Conselho
Federal da OAB - http://www.oab.org.br/#
OAB RJ - http://www.oabrj.org.br/
Portal da Câmara dos
Deputados - http://www2.camara.gov.br/
Portal do Senado
Federal - http://www.senado.gov.br/
Perdoem o
fato de ter me alongado. Mas senti a necessidade de compartilhar algumas
reflexões, pois muitas vezes percebo pessoas ansiosas demais nos cursos de
direito. Ainda não descobriram que a necessidade do estudo é contínua e que
somente com muita dedicação é possível avançar de forma segura.
Tenho
encontrado talentos excepcionais para a área do direito, mas muitas vezes me
deparo com pessoas que tem grande dificuldade de entender a dinâmica do campo. É
um desafio diário encontrar uma linguagem que dê conta das diferenças de
histórias e formação das pessoas, enfim, da realidade humana heterogênea que
cerca o dia a dia das salas de aula dos tempos atuais.
![]() |
Congresso Nacional |
Nesses anos de magistério já vivi experiências muito gratificantes. Me recordo com muito carinho da visita guiada que promovi a Brasília com diversos alunos e como eles ampliaram sua visão sobre o que estudavam na sala de aula.
Estivemos no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no Conselho Federal da OAB, na Procuradoria Geral da República, na Presidência da República, entre outros lugares antes conhecidos apenas nas referências das aulas e do noticiário.
Entre o que aprendemos na sala de aula e o mundo real existe um espaço que desafia algo além do que decorar conteúdos, fazer provas ou julgar o sistema educacional e a prática docente.
Certa vez uma ex-aluna me chamou no Facebook para uma conversa na qual ela me fez um agradecimento. Ela havia desistido de cursar direito e tinha seguido outra carreira após escutar algumas reflexões que eu havia feito em sala de aula. Me disse que era muito grata e que estava muito feliz, pois havia se encontrado. Muitas pessoas optam pelo curso de direito com a ilusão de independência financeira, concurso público e se esquecem do que é fundamental: pensar na sua aptidão para o curso escolhido e sua futura felicidade profissional. Talvez por essa razão, antes de concluírem o curso alguns já tenham se tornado juízes, os primeiros de suas próprias escolhas.
E por isso sempre tenho na lembrança uma lição de Piero Calamandrei, no clássico "Eles, os Juízes, vistos por um advogado".
Todo advogado vive no seu escritório certos momentos em que, esquecendo as sutilezas dos códigos, os artifícios da eloquência, as astúcias do debate, não sente mais a beca com a qual se vestiu, não vê mais as togas com se vestem os juízes, e dirige-se a eles, fitando-os nos olhos de igual para igual, com aquelas palavras simples com que a consciência do homem se dirige fraternamente à consciência do seu semelhante, para convencê-lo da verdade. Nesses momentos, a palavra "justiça" volta a ser fresca e nova, como se fosse dita então pela primeira vez. E quem a pronuncia sente passar em sua voz um frêmito discreto e suplicante, como aquele que passa nas palavras do crente que ora.
Bastam esses momentos de humilde e solene sinceridade humana para resgatar a advocacia de todas as suas misérias.
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CARLOS ALBERTO LIMA DE ALMEIDA. Doutorando em Política Social pela UFF (2011). Mestre em Política Social pela UFF (2005). Mestre em Educação pela UNIVERSO (2003). Especialista em prevenção às drogas e escola pela UFF (2004). Especialista em Direito Processual Civil pela UNESA (1997). Graduação em Direito pela Faculdade de Direito Candido Mendes - Centro (1990). Professor auxiliar I da Universidade Estácio de Sá. Professor licenciado da Universidade Católica de Petrópolis. Diretor Administrativo da Escola Superior de Advocacia e Presidente da Comissão de Direito Educacional da 16ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Estado do Rio de Janeiro (OAB Niterói). Membro do Conselho Editorial da Revista da Justiça Federal -Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Advogado desde 1991
Facebook:
Carlos Lima de Almeida
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6717808991001267
[1] Disponível
em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=centralDoCidadaoAcessoInformacaoServicoCidadao
Acesso em 19 de setembro de 2012.
[2] Disponível
em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaGuiaDC&pagina=dicionariojuridico
Acesso em 19 de setembro de 2012.