sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Como vai a relação com o seu orientador?




"O erro nosso é viver o hoje projetando futuros onde o presente é feito de laços ainda frágeis. É preciso muita união, forjada a dificuldades, para juntos cruzarmos o rio. Isso serve para nós, que estamos aí 'sozinhos' numa noite de restaurantes lotados: que peso enorme damos ao amor romântico? Onde você está agora, está com quem? Só se vê sozinha a pessoa que não reconhece o outro ao lado. Amor é varias cousas."
(ALMEIDA, Gabriel Guarino de. O segredo de dobrar papel. Belo Horizonte: Letramento, 2019, p, 40.)

Confesso que ao ler esse trecho do livro do meu filho fiquei pensando na reflexão dele e percebi que desejava escrever sobre o processo de orientação.

Ao ler "O erro nosso é viver o hoje projetando futuros onde o presente é feito de laços ainda frágeis. É preciso muita união, forjada a dificuldades, para juntos cruzarmos o rio." (ALMEIDA, 2019, p. 40) me vi pensando sobre uma expressão que uso constantemente nas diferentes turmas da stricto sensu, especialmente quando algum aluno me faz uma pergunta mais específica, na aula de metodologia da pesquisa, e eu não sou o orientador dele. Eu respondo, como quem usa um mantra:

"Você deve escutar o seu orientador. Segure na mão do seu orientador e confie, pois ele é que é a pessoa que vai te auxiliar a cruzar o rio".

Identifiquei no texto do Gabriel algo que sempre digo e nunca escrevi. Faço aqui um breve ensaio para tentar ajudar a pensar sobre a pergunta que coloquei no título.

Muitas vezes percebo, especialmente no mestrado, o aluno ainda com uma noção do que pretende pesquisar, mas inseguro sobre o caminho a seguir ou com algo que escutou no processo de orientação.

Sou cauteloso, pois penso que a academia permite diferentes olhares, saberes, maneiras de interpretar e conduzir uma pesquisa. Logo, por convicção pessoal e também por um dever ético, procuro levar com delicadeza essas situações, mas tento fazer uma inserção cirúrgica no ponto que me parece fundamental: fortalecer a relação dos orientandos com seus orientadores.

E falo que o meu papel, para os meus orientandos, é simples: Orienta(DOR).

Não há curso stricto sensu sem DOR.

Você já parou para verificar o sentido etimológico da palavra DOR?

Eu poderia escrever das dores físicas, do tormento das ideias, das inquietações e outras formas de demonstração de como a dor se faz presente no mestrado, no doutorado e em outras tantas etapas de nossas vidas.

Ressalvo que também verifico em determinadas perguntas uma armadilha. Não que seja intencional. Mas, muitas vezes a pergunta é feita como a daquela pessoa que vai a outro médico ou advogado porque deseja uma "segunda opinião".

Luzes amarelas indicam que muitos alunos estão com a "cabeça fervendo" em busca do caminho. E nessa hora eu reforço a importância de buscar a interlocução com o respectivo orientador.
Tais situações acontecem, com certa regularidade, nas aulas de metodologia da pesquisa.

Pesquisar significa planejar cuidadosamente uma investigação de acordo com as normas da Metodologia Científica, tanto em termos de forma como de conteúdo. (OLIVEIRA, 2002, p. 62)

Na minha percepção as aulas de metodologia da pesquisa, na stricto sensu em Direito, inicialmente proporcionam uma oportunidade de desconstrução dos vícios e convicções do campo, por parte dos profissionais que estão habituados a escreverem em seu dia a dia de trabalho (advogados, juízes, defensores, delegados, desembargadores, entre outros).

Muitas vezes eu brinco: você precisa retirar as vestes do profissional do campo do Direito e se permitir usar as vestes do pesquisador.

Conto quantos anos demorei para entender o que um pequeno livro no alto da estante me dizia nos tempos em que eu não me reconhecia como um cabeça dura. Ainda bem que o tempo passa e podemos repensar muitas atitudes e comportamentos.

É claro que “devemos admitir que uma dissemetria entre o lugar do pesquisador e o lugar do outro é um limite que atravessa as diferentes possibilidades do diálogo” (AMORIM, 2001, p. 31)

Esse movimento pessoal é fundamental, tanto para transformar em estranho algo que lhe é familiar, quanto para tornar familiar algo que lhe é estranho. Esse processo é muito instigante e não é sem dor.

Aprender a respeitar o tempo de amadurecimento do aluno é algo desafiador e o papel do orientador é reforçar algo que está escrito nos regulamentos dos Programas e que, para quem é do campo do Direito, não é nenhuma novidade: prazo. Logo, mestrando e doutorandos têm prazos para qualificar e defender. Não podem ser ingênuos ao ponto de acharem que essa responsabilidade é de outra pessoa. Compete a você, orientando, zelar pelo seu cronograma de execução da pesquisa, produzir e se permitir ser orientado.

Mas, voltemos ao texto inicial: "Só se vê sozinha a pessoa que não reconhece o outro ao lado. Amor é varias cousas.", escreveu o Gabriel. "Como vai a relação com o seu orientador?", eu perguntei.
Se você se vê sozinho na orientação deve se perguntar se está reconhecendo o outro ao lado. Talvez falte um ajuste fino na relação, mas a responsabilidade da busca da orientação é do orientando. Escreva, marque uma reunião, peça ajuda, Encaminhe o que você escreveu. Faça a sua parte.

Parafraseando e complementando o original:

"Só se vê sozinha a pessoa que não reconhece o outro (o orientador). Orientar é varias cousas. Inclusive auxiliar o orientando a cruzar o rio. Valorize, sempre, o seu Orienta(DOR)".

Saudações Acadêmicas.